12 setembro, 2006

Eu tenho medo das religiões monoteístas proselitistas



Recentemente, o presidente G.W. Bush dos USA resolveu que era hora de dar o seu real motivo de estar atacando outros países ao redor do globo: estamos fazendo o trabalho de deus. Isto foi dito numa conferência da Igreja Batista do Sul, junta a outros dezenas de milhares de eleitores em potencial para o partido Republicano. Parece um caso isolado, associar fé e política, eleições com crenças, lei e religião. Mas o fato é que em todo o mundo cada vez mais a razão, sobre a qual foram fundadas as instituições que deveriam governar nossas vidas estão sendo lentamente solapadas por pequenos grupos radicais religiosos, que fazem do Estado laico um balcão de visibilidade para divulgação de seus preceitos.
Presume-se que uma pessoa imbuída do espírito religioso é aberta, tolerante, fiel aos mandamentos que norteiam sua vida religiosa. Mas não deve-se estender o substantivo tolerância aos monoteístas proselitistas. Monoteísta não é aquele que acredita em apenas um deus e serve apenas a ele, mas aquele que não aceita de maneira alguma a existência de outros. Seu deus escreve-se com letra máiúscula, enquanto os outros são aceitos como criações humanas, e portanto indignos da letra grande no início de seus nomes. Já proselitista é aquele que sai de porta em porta a pregar, utilizando para isto meios tão variados como rádio, tvs, revistas, leis, feriados, códigos de postura, entre outros. O fato de alguém pregar sua religião como sendo a verdadeira automaticamente desqualifica a do outro.
Não existe problema algum em se definir como cristão de tal grupo ou tal grupo, mas sim no fato de não aceitar que o outro seja tão bom qaunto o meu. Intolerância é muito mais do que entrar em conflito: este é apenas um efeito da depreciação diária feita pelos pregadores em relação a outras formas de se expressar religiosamente. Intolerância começa na vida em comum, nos pequenos gestos, na falta de um critério que defina os pontos comuns entre as religiões em vez de apenas mostrarem as diferenças.
Os grupos humanos são culturalmente narcisistas, e valorizam seu grupo de identificação como sendo o único que traz a verdadeira felicidade. Todos os grupos humanos são conscientes de sua superioridade frente aos demais. Sempre irão mensurar seus similares por aí em função de melhor ou pior que o meu ponto de vista. Uma vez que só temos uma maneira de conviver com o o mundo, esta será nossa régua. Mas determinados grupos simplesmente não podem aceitar que outras formas de visão existam.
Um exemplo de grupo narcisista tolerante eram os antigos romanos. Em matéria de religiosidade, os romanos adotaram os deuses de praticamente todas as nações sob seu domínio, deformaram suas formas originais, adaptando-as com sua régua de medir o mundo. Ao perceber semelhanças entre seu Júpiter Olímpico com o Baal fenício ou com o Zalmoxis das tribos partas, eles estabeleceram uma relação aceitável de tolerância. Não há problema algum em se adorar Baal, já que ele é uma versão local do seu deus supremo. Mesmo sendo uma visão preconceituosa (todas as visões são preconceituosas, só temos um óculos para ver o mundo), permitia que fenícios e partos permanecessem com sua crença, mesmo travestida por elementos romanos.
Agora peguemos o exemplo das primeiras religiões monoteístas éticas, como o judaísmo dos Juízes. São extremamente intolerantes: nehum outro povo tem a verdade, apenas Israel. Quando entram em contato com outras populações, estas não são assimiladas, mas expulsas e destruídas. Não pode haver espaço para ambos em sua terra: se você não adora ao verdadeiro deus, então deve partir. Mas param por aí. Uma vez estabelecidos, os judeus do tempo dos Juízes dificilmente faziam algum esforço para entrar em contato com outras culturas. De fato, tal contato é sempre evitado. Não existe proselitismo da religião judaica, pelo contrário: poucos são aceitos na assembléia que não estejam discriminados pelas suas leis. E o sistema se mantém com o próprio povo que o criou, sem espalhar-se pelos vizinhos.
Já os monoteístas proselitistas parecem não descansar enquanto todos não tiverem a mesma fé, o mesmo modo de ver o mundo, a mesma maneira de se relacionar com a divindade. A raiz deve ser a mesma, mas devido a problemas de logística, como manter grupos diferenciados culturalmente sob o mesmo domínio, perde-se no caminho o ideal de unidade, e surgem as dissenções. E estas dissenções são a pior causa de guerras e mortes dos últimos 500 anos de nossa história. Sob a égide da Unidade impossível, travamos guerras por diferença de opinião acerca dos mais diversos assuntos: se o vinho é sangue, e se o sangue é vinho; se o cabelo deve ser curto ou comprido; se as pessoas devem adorar imagens ou destruí-las; se ler as escrituras sagradas de sua religião ou mesmo de outras é lícito ou não; se adorar seu deus em sua língua natal é aceitável ou não. E quanto menor for o motivo, maior será a destruição. E tudo isto porque somos incapazes de aceitar que o outro grupo tem tantas semelhanças com o nosso que não podemos travestí-los com nossa ideologia para torná-lo aceito.
Por isso o convívio humano só poderá ser possível em toda nossa diversidade cultural quando estivermos dispostos a aprender sobre a diversidade de opiniões, culturas e religiões que existem no mundo. Conhecer para aceitar. Não se trata de se renunciar às próprias convicções, mas de ter a capacidade de reconhecer na religião alheia as mesmas fórmulas, medos, esperanças, que fazem de nossa vida uma jornada mais suportável. Saber que por trás de nomes diferentes e maneiras diferentes de se vivenciar a cultura, existem os mesmos sentimentos que nos unem como espécie. Aceitar o outro é apenas um passo simples, mas o mais difícil de se dar, e por isso o mais importante.

05 setembro, 2006

Série Antigos Territórios Sobreviventes da Idade Média Européia e pertencentes a feudatários particulares 33 - Ilha de Man

A ilha de Man é nosso trigésimo terceiro país oprimido, localizado junto a Grã Bretanha, mais especificamente no mar da Irlanda (porque da Irlanda?).
A ilha é um dos pequenos feudos remanescentes no mundo (livre?) em que vivemos hoje. Assim como Andorra, a ilha é propriedade de um determinado senhor, a saber, a Coroa Britânica. Não, a ilha não faz parte do Reino Unido, como muitos devem estar pensando. É um território dependente diretamente da Coroa, que por acaso governa o Reino Unido.
Antigo território celta (como quase metade da Europa, caso são saibam), a ilha foi sucessivamente conquistada por normandos e anglos, sendo que a partir do século XIX passou a ter seus negócios geridos diretamente pela Coroa. Embora não faça parte do Reino Unido, faz parte da Commonwealth britânica, assim como Canadá e Austrália. Assim, é ao mesmo tempo reconhecida como uma entidade política autônoma e dependente. Caso os britânicos resolvam se livrar de sua família real (já fizeram isso várias vezes) e tornar-se uma república (já fizeram isso), a Ilha continuaria como território dependente da família real, que provavelmente poderia continuar suas funções de chefe de Estado por ali. Mas os manx não consideram a rainha da Grã Bretanha e Irlanda do Norte como sua chefe de Estado, mas como sua senhora feudal (lorde), já que quem governa a ilha é o parlamento local (como se fosse um país independente, como Austrália e Canadá) e o governador nomeado em Londres (como as Falklands ou Santa Helena, territórios dependentes).
Creio que nem os manx conseguem definir sua situação política, embora culturalmente estejam mais próximos dos irlandeses, já que possuem língua própria (o manx), similar ao antigo Gaélico, falado com variações em Gales e na Escócia. Definitivamente, é um lugar muito estranho par ser definido em razão apenas de sua situação política e cultural, já que apresentam-se mesclados elementos das antigas tradições consuetudinárias aliadas as modernas leis do parlamento.

Vista de um farol, junto à costa de Man


Em destaque: bondes puxados por tração animal, ainda em atividade em Man

Em destaque: o pequeno cavalo manx, base da economia agrícola local

01 setembro, 2006

Série Arquipélagos Localizados em regiões remotas e em disputa por países imperialistas 32 - Ilhas Kurillas


A Segunda Guerra Mundial ainda não acabou, pelo menos para dois países: a União Soviética e o Império Japonês, representados atualmente pela Rússia e pelo Japão. Tudo por causa de um pequeno arquipélago que liga a parte peninsular de Kamchatka à ilha de Sapporo, norte do Japão.
As ilhas, tratadas como Kurillas pelos russos e como territórios do Norte pelos japoneses são uma das áreas abocanhadas pela antiga URSS como despojos de guerra durante a Segunda Guerra Mundial. Como sabem, após a derrota do eixo na parte européia, a URSS concentrou seus esforços para expulsar os japoneses da China, invadindo a Manchúria, da Coréia e do mar de Okhotsk. Enquanto os americanos atacavam por mar, pelo sul, algumas unidades anfíbias do exército vermelho ocupavam a região norte do Japão, em especial o arquipélago em disputa.
Após o fim da guerra, a URSS negou-se a devolver o território aos japoneses, pretextando, como no caso da Bessarábia, direito de guerra. Nada que espante: os americanos ocupam Okinawa até hoje, e mantém milhares de soldados no Japão a pretexto de defender o país do resto do mundo. O território historicamente vem sendo sucessivamente ocupado por alguns senhorios do norte do Japão desde o século XVIII. A parte mais ao norte, junto da área peninsular, sempre teve asentamentos russos, a partir do século XIX. Desta forma, russos e japoneses compartilhavam a soberania sobre as ilhas. Em 1875, as ilhas foram cedidas ao Japão, em troca da soberania plena russa sobre a ilha Sakhalin. Apenas após a segunda Guerra Mundial é que os russos retomaram a sua posse, sem protestos japoneses, exceto pelas quatro ilhas ao sul, denominadas de Chishima. Sem um acordo viável nesta questão, a Segunda Guerra Mundial permanece me aberto, mais de 60 anos depois.

Agora, o que interessa: por que os russos fazem tanta questão de manter as Kurillas?


Pelo controle total do mar de Okhotsk e de seus recursos minerais e pesqueiros: pirita, sulfatos em geral, minérios polimetálicos (tungstênio, magnésio, titânio). Também não se descarta a possibilidade da existência de jazidas petrolíferas na região, junto à plataforma continental, embora toda a área seja de origem vulcânica.

Em destaque: uma vista das Kurillas: